Editora: Carambaia
Acabamento: capa cartonada com orelha e cinta
Cor do miolo: preto
Formato: 13 x 20 cm
Páginas: 256
Edição: 2ª
Ano: 2019
Idioma: Português
Classificação: não disponível
Categorias: literatura, conto
Contos de assombro é uma coletânea de dezenove textos que procura abordar a literatura fantástica e de mistério fora dos nichos de gênero, como um convite a um público mais amplo que o habitual. O inesperado está presente não apenas como temática, mas também na inclusão de autores clássicos reconhecidos por outras filiações, como Émile Zola, Edith Wharton, Ivan Turguêniev, Luigi Pirandello e Virginia Woolf. Em todos eles se encontra a sensação de assombro – seja por meio de uma sátira sobre a crueldade do ser humano, caso da narrativa implacável de Zola, ou pela descrição minuciosa de um único gesto refletido num espelho, no delicado conto de Woolf.
Um dos recortes que orientaram a escolha dos contos da coletânea é temporal: todos foram escritos entre o início do século XIX e as primeiras décadas do século XX, apogeu da produção literária de mistério em seu período pós-gótico, como explica no posfácio Alcebíades Diniz, pós-doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo Diniz, o início de uma era em que começaram a predominar no mundo da cultura a racionalidade e os ecos dos avanços da ciência coincidiu, em fins do século XVIII, com a decadência da literatura gótica – em que o inexplicável e o insondável se manifestavam por meio das forças da natureza e dos truques ficcionais. Na fase moderna, o sentimento de inquietação ganha primeiro plano e tende a permanecer ao fim da leitura. Sob essa perspectiva, o sobrenatural passa a se subordinar a um sentimento de desconcerto e ambiguidade, esmaecendo as fronteiras de gênero. É esse o universo que abarca as narrativas do livro, em que não falta humor negro, como no conto de Washington Irving, nem melancolia, traço da surpreendente narrativa de Horacio Quiroga em que os personagens são animais cercados por arame farpado.
Ao lado desses escritores de outros cânones figuram nomes mais frequentes em antologias de literatura fantástica. Talvez o nome mais conhecido deles, Edgar Allan Poe, está representado no volume com um conto alucinatório e pouco conhecido – cuja autoria era até pouco tempo contestada. E. T. A. Hoffmann é o autor de um dos textos da antologia que evocam o demônio como uma presença inelutável (mesmo que simbolicamente), mote também da narrativa de Robert Louis Stevenson. Outro autor célebre da literatura fantástica, Guy de Maupassant, aparece não com sua ficção, mas num ensaio publicado na imprensa sobre as possibilidades de desenvolver os temas sobrenaturais nos tempos modernos.
Autores menos conhecidos no Brasil, como o argentino Leopoldo Lugones, a espanhola Emília Pardo Bazán, o francês Charles Nodier, o inglês M.R. James e o russo Leonid Andrêiev, comparecem ao lado de três brasileiros, João do Rio, Medeiros e Albuquerque e Humberto de Campos. A variedade ilustra aquilo que Diniz chama de “expansão do fantástico”, ocorrida modernamente e representada no livro não só pelos temas e abordagens, mas também pela origem dos textos, escritos originalmente em inglês, francês, espanhol, alemão, russo e em português. Há histórias de fantasmas, de buscas da eternidade, descrições próximas a pesadelos, especulações sobre a natureza do mal, inversões de expectativas – tudo aquilo que desafia o conforto da razão. Em Contos de assombro se encontra o substrato ficcional que mereceu a atenção de pensadores como Kant, Freud e Todorov e que, de certa forma, remonta à própria origem da literatura no que ela tem de tributo aos mitos e às narrativas orais.
Sobre os autores:
Ivan Turguêniev (1818-1883) foi um dos expoentes do realismo russo em suas múltiplas vertentes narrativas (conto, romance, drama), ao lado de nomes como Dostoiévski ou Tolstói. Seu romance Pais e filhos (1862), reconhecidamente uma obra-prima, ainda é continuamente relançado.
E. T. A. Hoffmann (1776-1822), nascido em Königsberg, mesma cidade do filósofo Immanuel Kant, é um dos nomes mais conhecidos e expressivos do Romantismo alemão. Hoffmann logo se destacou por suas narrativas plenas de inventividade e ironia e pela tonalidade musical, mesmo operística, que impunha a suas novelas, seus contos e romances – era também crítico musical e compositor. Não por acaso, Jacques Offenbach homenagearia o autor alemão na ópera Les contes d’Hoffmann, tornando-o protagonista da trama. Seu gosto, algo peculiar e irônico, pelo macabro, por outro lado, marcaria criadores como Edgar Allan Poe, Charles Dickens e Nikolai Gógol.
Luigi Pirandello (1867-1936), nasceu na Sicília (Itália) em 1867. Começou a carreira literária escrevendo poesia, em seguida romances e narrativas breves. Foi o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1934 e suas poderosas e tragicômicas farsas antecipam diretamente o teatro do absurdo de Ionesco, Adamov ou Genet. Morreu em Roma em 1936.
Robert Louis Stevenson (1850-1894), nasceu em Edimburgo e ao longo da vida viveu em várias cidades da Europa, dos Estados Unidos, Austrália e ilhas do Pacífico. Criador de livros tão fundamentais quanto O estranho caso de Dr. Jekyll e Sr. Hyde e A ilha do tesouro, é responsável por todo um imaginário de viagens fantásticas e acontecimentos improváveis.
M. R. James (1862-1936) foi um típico scholar britânico, erudito e estudioso reservado, medievalista influente, catedrático do King’s College de Cambridge e do Eton College. Escreveu diversos contos de terror fantástico, sobrenatural, renovando o gênero “histórias de fantasmas”. A influência desse discreto professor inglês que gostava de ambíguos fantasmas foi imensa: autores tão díspares quanto H. P. Lovecraft, William Fryer Harvey ou Kingsley Amis prestaram homenagem ao estilo inconfundível de sobrenatural produzido por James.
Émile Zola (1840-1902) é consagrado como criador e representante máximo da escola do naturalismo literário, com atuação libertária na política (especialmente no conhecido caso Dreyfus). O escritor francês é principalmente conhecido por romances como Germinal e Nana, ou a saga dos Rougon-Macquart, mas sua ficção foi bem mais multifacetada: uma produção rica e variada, que inclui narrativas breves e novelas, publicada em revistas e jornais da época.
Washington Irving (1783-1859), contista, biógrafo, historiador e diplomata norte-americano, ficaria famoso por contos como Rip Van Winkle e The Legend of Sleepy Hollow, que exploram elementos góticos, alegóricos e fantásticos em uma ambientação distante dos clichês góticos centrados nas “trevas” da Idade Média.
Horacio Quiroga (1878-1937), contista, dramaturgo e poeta uruguaio, é dono de um estilo inconfundível e influente – entre o naturalismo e a narrativa de horror – que inspirou prosadores mais inclinados à ironia e à brutalidade, como o argentino Roberto Arlt. Teve a vida pontuada por tragédias, mortes, acidentes, culminando no próprio suicídio, aos 58 anos de idade.
Leonid Andrêiev (1871-1919), escritor russo, teve uma vida que parece extraída dos romances da poderosa tradição realista russa, com episódios de miséria e lances dramáticos, como um suicídio não consumado. Seus contos, novelas e peças de teatro abordam temas espinhosos (como as atrocidades e os males da guerra) dentro de uma atmosfera de horror e espanto, tanto causados pela percepção de um mal bastante humano como pela consciência do vazio como ameaça e possibilidade metafísica.
João do Rio (1881-1921), pseudônimo de Paulo Barreto, foi um autor fundamental no jornalismo e na literatura brasileira. De produção multifacetada – jornalista, cronista, tradutor e dramaturgo –,ultrapassou os limites do demi-monde cultural carioca na virada do século XIX para o XX com sua prosa fluida, que traduzia de forma universal a alma da nascente metrópole brasileira, encarnada no Rio de Janeiro. Foi o primeiro autor brasileiro a mesclar os caminhos da ficção e do jornalismo em um todo narrativo complexo, sedutor.
Virginia Woolf (1882-1941), romancista, ensaísta, editora britânica, foi uma das figuras mais destacadas da renovação modernista na prosa, promovida nas primeiras décadas do século XX. Figura influente no círculo de intelectuais conhecido como Grupo de Bloomsbury (do qual faziam parte, entre outros, E. M. Forster, Lytton Strachey e John Maynard Keynes), inaugurou e/ou aperfeiçoou instrumentos narrativos que se tornaram universais na prosa contemporânea, especialmente o fluxo da consciência, em romances de grande impacto como Mrs Dalloway (1925), Ao farol (1927) e Orlando (1928). Dona de uma personalidade instável, vítima de numerosas crises depressivas, Virginia Woolf cometeu suicídio por afogamento.
Humberto de Campos (1886-1934), escritor maranhense, fez parte de uma geração de escritores brasileiros que viveu com intensidade a cena literária. Convivendo com nomes importantes da nossa literatura, como Rui Barbosa, Emílio de Meneses e Coelho Neto, nunca obteve maior destaque, apesar de ter entrado para a Academia Brasileira de Letras. Poeta neoparnasiano, ignorou o quanto pôde a Semana de Arte Moderna de 1922. Apesar de nos últimos anos da vida ter-se dedicado à política – foi deputado federal até ser cassado pelo governo Getúlio Vargas –, nunca abandonou o jornalismo, e tem uma fértil produção de crônicas, reportagens e críticas de arte.
Edith Warthon (1862-1937), escritora norte-americana, foi a primeira mulher a conquistar o prêmio Pulitzer, em 1921. Sua escrita é marcada pela profundidade psicológica, a ironia suave mas incisiva, e o bem-humorado cosmopolitismo, que refletia sua cidade natal, a metrópole florescente que era Nova York.
Charles Nodier (1780-1844), um dos principais nomes do movimento romântico francês, ultrapassou as categorizações estreitas em sua vasta e densa obra como romancista e contista. Ao elaborar narrativas sobrenaturais reestruturando elementos góticos, praticamente lançou as bases contemporâneas da narrativa fantástica, sendo grande influência para autores posteriores como Gérard de Nerval. Também colaborou para a ampliação do mito do vampiro moderno, ao levar para o teatro uma adaptação de enorme sucesso do conto The Vampyre, de John Polidori. Sua obra, flutuando entre reflexão individual, ensaio especulativo, narrativa e imagem gótica, possui ao mesmo tempo certa essência romântica e um sabor moderno.
Leopoldo Lugones (1874-1938) foi poeta, ensaísta, jornalista e político de influente atuação na Argentina durante as três primeiras décadas do século XX. Esteticamente, aproximou-se do simbolismo através da importante amizade que nutriu com Rubén Darío, cultivando uma leitura peculiar, ao mesmo tempo tradicionalista (ao rejeitar o verso livre) e original (pela temática e forma de composição), da corrente simbolista francesa em obras como o celebrado Lunario sentimental (1909). Foi igualmente entusiasta do ocultismo e da teosofia, ideia que está na base de sua obra como contista – em coletâneas como Fuerzas extrañas (1906) e Cuentos fatales (1926) e também em alguma produção para jornais e revistas.
Medeiros e Albuquerque (1867-1934) tem, entre suas realizações, a letra do hino da proclamação da República do Brasil – ganhou um concurso lançado pelo então presidente Deodoro da Fonseca em 1890. Mas a obra desse autor, que transitou com vigor entre o simbolismo, a narrativa decadentista e o parnasianismo, vai bem além disso. Foi, igualmente, um autor dedicado a temas do ensino e da educação brasileira.
Emilia Pardo Bazán (1851-1921), a condessa de Pardo Bazán, foi uma notável expoente do realismo e do naturalismo na Espanha por sua ativa produção de romances, contos, poesia, dramaturgia, crítica literária e ensaio. Praticamente introduziu o naturalismo na Espanha, ao trazer os debates em torno do romance experimental do francês Émile Zola para o país. Teve destaque também na luta pelos direitos das mulheres, especialmente na obrigatoriedade da instrução feminina universal.
Edgar Allan Poe (1809-1849), poeta, contista, ensaísta e crítico nascido em Boston, foi um dos “pais fundadores” da literatura dos Estados Unidos em diversas áreas, da crítica literária ao conto. Sua influência ultrapassou fronteiras; ele antecipou as teorias simbolistas com elaborados poemas, a narrativa policial (e mesmo a ideia de investigação racional das evidências de um crime), enquanto o sombrio tom psicológico de seus contos parece lançar as bases seja da ficção de Dostoiévski, seja do surrealismo. As tonalidades abissais e tenebrosas que dominam sua narrativa redimensionaram o fantástico e o impulsionaram para novos horizontes, alguns em pleno século XX e mesmo XXI.
Guy de Maupassant (1850-1893), apesar da vida curta, teve uma vastíssima produção como jornalista e poeta, mas sobretudo como contista. Apadrinhado por Flaubert, frequentou o meio literário, embora tenha tentado várias vezes fugir dele em suas diversas viagens pelo mundo – das quais sempre trazia um novo volume de contos. Foi muito lido ainda durante sua vida, e sua maneira de escrever contos foi definitiva na literatura francesa.
Saiu na imprensa:
"'Contos de Assombro' faz um apanhado das formas possíveis que esses seres de existência duvidosa assumem pelo mundo. Mais do que um livro de gênero que traz clássicos como Edgar Allan Poe ou Robert Louis Stevenson, a coletânea transita por narrativas do século 19 e início do 20 que se aproximam do desconhecido e descrevem o assombro que sentimos nessa aproximação."
Leda Cartum, Folha de S.Paulo, 04/08/2018
"Mas nem só de diabo é feito o assombro; o canibalismo e a loucura também têm seu protagonismo. O escritor maranhense Humberto de Campos, no conto O Juramento, consegue um “arrepio de horror” ao descrever como os antropófagos devoraram certa dama, cabendo ao amante estarrecido o seu coração. Para Émile Zola, os selvagens, dignos de medo, são os próprios homens."
Dirce Waltrick do Amarante, Estadão, 14/07/2018
"A seleção tem um efeito caleidoscópico, alternando interpretações variadas do fantástico em diferentes línguas e o jogo adicional de perceber como escritores que conhecemos por outros gêneros trabalham o tema dentro de suas particularidades."
Marina Della Valle, Valor Econômico, 08/06/2018
"Além de tentar se afastar da ideia de gênero ao assumir “assombro” como tema, demonstra como a expansão do fantástico e do sobrenatural no período abrangido foi ampla e atingiu uma grande variedade de idiomas e tradições culturais."
Alessandro Giannini, Revista Época, 03/05/2018
"A impressão que temos é a de que, com um conjunto tão diverso de autores, a editora Carambaia procurou distanciar-se das convenções de gênero para ater-se, pura e simplesmente, ao assombro. Um território ancestral e insuspeito, frequentado por pequenos, medianos e grandes criadores; um território que não corre riscos de receber os “cercados” estéticos de que críticos tanto gostam e carecem."
Oscar Nestarez, Revista Galileu, 08/05/2018
Essa antologia já pode ser colocada entre as referências de livros sobre o assunto"
Luiz Ruffato, Blog Lendo os clássicos, maio/2018