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Descrição

O sussuro das estrelas (Naguib Mahfuz)

Editora: Carambaia
Acabamento: Capa dura laminada com gofragem e pintura lateral
Cor do miolo: preto e branco
Formato: 12,5 x 20 cm
Páginas: 112
Edição: 1ª
Ano: 2021
Idioma: Português
Classificação: não disponível
Categorias: literatura, romance

Enquanto fazia a pesquisa para escrever um livro sobre uma das obras de Naguib Mahfuz (1911-2006), o jornalista egípcio Muhammad Shoair frequentou a casa da filha do escritor, em busca de documentos. Durante a empreitada, ele conta ter encontrado uma caixa com dezenas de contos manuscritos, com a indicação “para publicar em 1994”. Após um levantamento, descobriu que, embora boa parte dos textos já tivesse saído em uma revista egípcia, havia dezoito inéditos.

Depois da análise, a filha do escritor, Umm Kulthum, decidiu publicar esses dezoito contos em livro, por uma editora libanesa. Foi Umm Kulthum quem escolheu o título da coletânea, emprestado de um dos contos: O sussurro das estrelas – um paralelo com a primeiríssima publicação do pai, a coletânea de contos O sussurro da loucura, de 1938. Com tradução direta do árabe, o volume traz uma introdução do britânico Roger Allen, o principal especialista ocidental na obra de Mahfuz.

Os contos que compõem O sussurro das estrelas apresentam, na análise de Allen, “uma nítida unidade de localização, propósito e estilo”. Todos se passam em uma típica viela egípcia (ḥara). É inevitável enxergar nessa localidade – tão recorrente em sua obra, sobretudo na famosa Trilogia do Cairo – uma aura da infância do autor em Gamaliya, bairro popular da capital egípcia. A descrição do lugar é propositalmente vaga, o que lhe confere um aspecto genérico e, à sua forma, universal; trata-se de um microcosmo exemplar, constituído mais por funções do que por estruturas materiais. A zawiya, o antigo forte, o abrigo e o café são locais dotados de valor social, e cada um cumpre um propósito na rotina da comunidade, bem como simboliza um valor. Da mesma maneira, há duas personagens recorrentes em quase todos os contos: o xeique da viela e o imã da zawiya, ambos arquétipos das autoridades comunitária e religiosa, respectivamente.

Os enredos em si não têm uma sequência específica, e os temas variam de uma história para outra. Contos como “Perseguição”, “Infortúnio” e “A vida é um jogo” retratam relações mediadas por instituições tradicionais, como o casamento, a maternidade e a paternidade, tomando como referência os indivíduos e o contato complexo entre sua natureza íntima e as expectativas da sociedade. “Tawhida” e “O forno” enfocam as diferenças internas da família e os impactos diversos que ela surte sobre seus membros ao longo do tempo. “O Filho da Viela” e “Shairrun” abordam a intervenção social e os embates entre a atuação individual e as forças da tradição. “A tempestade” e “Nabqa no antigo forte” são permeados pela metafísica, enfatizando a dimensão do “oculto” e sua capacidade de permear o contato das pessoas com a realidade objetiva. “Seu quinhão na vida” e “A profecia de Namla” exploram a ironia e o absurdo mahfuziano, voltando-se à incapacidade do poder institucional de amparar satisfatoriamente a vida humana.

Não se sabe por que esses textos, aparentemente deixados prontos e revisados, não foram publicados. Para Roger Allen, no entanto, não há dúvidas de que esses contos são “um reflexo de suas últimas expressões criativas envolvendo a função simbólica da hara, diferentemente de fases anteriores de sua longa carreira como escritor”. De certezas, apenas a gratificação pelo que considera como “um presente inesperado”.

Ler as primeiras páginas

Sobre o autor:

Naguib Mahfuz (1911-2006) é até hoje o único escritor de língua árabe agraciado com o Nobel de Literatura (1988). Poeta, romancista, cronista e contista, Mahfuz deixou uma obra extensa e diversificada. Seus primeiros livros, publicados entre o final da década de 1930 e o início da de 1940, são romances históricos ambientados no Egito antigo. Numa segunda fase de produção, o realismo social contemporâneo ganhou espaço, e sua obra passou a enfocar as condições político-sociais e as relações entre os estratos da classe média egípcia. A essa fase pertencem, por exemplo, O beco do Pilão (1947) e Começo e fim (1949, inédito no Brasil). Tal fase culmina na escrita de Entre dois palácios, O palácio dos desejos e O jardim do passado – conhecidos como a Trilogia do Cairo, a qual viria a se tornar seu magnum opus.

Os críticos identificam como sua terceira fase de produção a mais longa, cujo marco inicial é o lançamento, em folhetim, de Os filhos do nosso bairro, no jornal Alahram, em 1959. Com uma narrativa de forte caráter simbólico, essa obra, na época, foi banida no Egito por causa das alegorias empregadas por Mahfuz para aludir a figuras sagradas do Islã, como Moisés, Jesus e Maomé. Além do caráter supostamente herético, o livro apresentou também uma crítica à Revolução de 1952 e ao governo Nasser, os quais Mahfuz viu como tentativas fracassadas de promover as mudanças sociais que considerava necessárias. A partir desse livro, seus textos passam a discutir temas como o existencialismo e o absurdo, o debate entre tradição, religião e modernidade, e seus personagens ganham em dimensão psicológica. Datam dessa época títulos como O ladrão e os cães (1961) e Miramar (1967).

Em 1988, o reconhecimento com o Nobel da Literatura foi um marco não só para sua carreira e sua difusão internacional, como para a própria literatura árabe. Em seu discurso escrito para a cerimônia, da qual não pôde participar por motivos de saúde, Mahfuz se afirma como um autor do Terceiro Mundo e clama para que as grandes potências não observem passivamente a luta cotidiana dos desfavorecidos pela sobrevivência.

No mesmo ano, Salman Rushdie lançaria Os versos satânicos, com as representações do poeta Maomé que lhe renderam a emissão de uma fátua pelo Aiatolá Khomeini, ordenando a execução do autor britânico-indiano. Mahfuz se posicionou contra a proibição do livro e da sentença contra o autor, o que contribuiu para reacender a polêmica sobre seu livro de 1959, Os filhos de nosso bairro. Assim, na manhã do dia 14 de outubro de 1994, dois extremistas atacaram o escritor, então com 82 anos, na porta de sua casa, e o esfaquearam no pescoço. Mahfuz sobreviveu ao atentado, mas teve sequelas permanentes nos nervos dos membros superiores, perdendo então a habilidade de sua mão de escrita. Seus últimos livros foram ditados à filha. Naguib Mahfuz faleceu devido a insuficiência renal, aos 94 anos de idade.

Saiu na emprensa:

"São pequenas joias minimalistas, que brilham à medida que as contemplamos à luz. Elas foram traduzidas do árabe por Pedro Martins Criado para a Carambaia (que, como sempre, fez uma edição primorosa)."

Cora Rónai, coluna no jornal O Globo, 05/05/2022